O Sabor do AMOR
Novo livro de Manuela Morais
Cláudio Lima
Chegado ao fim da leitura deste livro, várias, complexas e divergentes reflexões se
instalam na minha mente e na minha sensibilidade. Acabo de ler um romance, como consta da
catalogação na ficha técnica, com todos os ingredientes que tal género implica de jogo, ficção,
artefacto/artifício literários? Ou, ao invés, à exposição autêntica e explícita de uma experiência
amorosa de dois seres “de carne e osso”, mas também de grande densidade espiritual, que o
destino ou a intervenção sobrenatural fizeram coincidir e consubstanciar uma união de
perfeita harmonia e mútua felicidade?
As perguntas são razoáveis e pertinentes. É que, desde as páginas iniciais, em que o
leitor se depara com um lento e prudente ritual de encantamento e sedução próprios de uma
aproximação amorosa, até às derradeiras, em que a inevitável e dolorosa separação imposta
pelas leis inexoráveis da natureza põe fim a um registo conjugal venturoso, daqueles que,
segundo a feliz inspiração de Vinícius de Moraes no Soneto de fidelidade, inserto no livro
Poemas, Sonetos e Baladas (1946), sendo feridos de contingência e transitoriedade, aspirem a
“ser infinitos enquanto durem”.
São dois amantes bem identificados; duas personalidades notáveis da nossa sociedade
artístico-cultural de finais do século XX e primeira década do século corrente. Dão pelos nomes
de José (Manuel) Espiga Pinto, consagrado pintor-escultor e de Manuela (Maria Alves) Morais,
dinâmica fundadora e gestora das edições Tartaruga, (atualmente com mais de cem títulos em
catálogo) e escritora emergente em várias modalidades e crescente reconhecimento público. A
natural atração que entre ambos o magnetismo cósmico operou, num fluxo alquímico e numa
ágape de sublimação, conduziu-os à mútua aceitação num enlace conjugal sem reservas nem
acidentes. Viveram essa experiência no limite da paixão partilhada e da bem-aventurança
existencial desde março de 2000 a outubro de 2014, quando ocorre a morte de Espiga.
É essa partilhada e harmoniosa vivência, mas também a dolorosa e definitiva ausência
delas, o que estas páginas sentidamente expõem, num registo que, não obstante a profunda
saudade subsistente, enfatiza sobretudo o lado bom, sem rotinas, tibiezas ou amuos de «duas
personagens principais desta sólida e marcante história amorosa de uma simplicidade
elegante» (p.21); «É necessário acender, diariamente, as lâmpadas da paixão. Namorar sem
limites, sentir o desejo irresistível de abraçar, transformar as encruzilhadas em caminhos
desimpedidos. E caminhar de mãos dadas, sinais inequívocos da intimidade apaixonada e
esperançosa…» (p.214).
A situar espácio-temporalmente esta como que cartografia de sonhos e emoções, a
Autora evoca felizes viagens, por terras portuguesas e estrangeiras, favoráveis ao permanente
enleio e à constante surpresa que as paisagens naturais, a monumentalidade dos edifícios e
monumentos urbanos e, acima de tudo, a hospitalidade e bonomia das populações deveras os
sensibilizam. Apreciadores e conhecedores das artes plásticas e arquitetónicas, palmilham
grandes artérias e fascinantes jardins, perdem (ganham) horas no interior de catedrais,
museus, bibliotecas etc., num clima de puro embevecimento e fascínio. Culturas, credos,
costumes, idiossincrasias, - tudo observam e absorvem por grande parte desta velha Europa de
tantos cruzamentos civilizacionais e tantas maravilhas artísticas que desafiam tempos e modos
do devir histórico.
Outro aspeto relevante desta obra, que importa referir, diz respeito ao recurso
frequente às filosofias e ciências ditas ocultista, que ambos os cônjuges estudam e consideram
de fundamental importância na condução da sua personalidade e do seu relacionamento. «Na
demanda essencial da purificação interior.» (Alexander Roob, Alquimia e Misticismo, Livros
Taschen, 2014). Muitas são as palavras e expressões em que essa corrente aflora ao longo do
texto: inconsciente cósmico (p.19), consciência cósmica (pp.212 e 216), geometria sagrada
(p.22), totalidade do Universo (p.24), sintonia alquímica (p.38) campos energéticos (p.46),
energias vibratórias (pp.152 e 168) e outras similares e afins. Provavelmente, receberam
influência nesse interesse gnosiológico-exotérico de duas destacadas figuras especialistas em
tal ramo do saber, além de amigos pessoais do casal: António Telmo e Carlos Aurélio. De
ambos a editora Tartaruga publicou obras: Contos Secretos (2007) e o ensaio Considerando os
Filósofos (2008), respetivamente.
Para a personagem Maria do Rosário, aliás Manuela Morais, José Manuel Espiga Pinto
é o Príncipe, assim nomeado ao longo de todas estas 220 páginas, induzindo perpassar por elas
o mavioso rumor e o doce perfume de um conto de fadas. E, sim, podemos fazer essa leitura,
tal a veemência, a temperatura e o envolvimento que nos é dado testemunhar. «O amor
nasceu depois de uma amizade verdadeira e de uma cumplicidade arrebatadora; cresceu e
tornou-se ilimitado, infinito, infalível…» (p.37) e «O amor é o único farol da Vida que nos faz
irradiar a verdadeira Luz…» (p.78).
Uma leitura aliciante e envolvente. Talvez o melhor livro até agora publicado pela
Autora.
Janeiro / 2024
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