quarta-feira, 6 de agosto de 2014

CREPÚSCULO








A VIDA EM GUARDA




Mergulho no silêncio e não me afogo.
Tenho bóias: solidão serenidade sentimentos.
Estou parado e voo no imóvel mar do
tempo, o outono ampara-me, o sono estende-me
a mão. Afogo-me em silêncio mas não morro.


Tenho meios vitais de salvação: os meus
sentidos, cinco, adormecidos, e de outros sentidos
me socorro. Eu morro no silêncio mas
resisto, mergulho no silêncio e não me afogo.


Tenho bóias: passado evocação melancolia.
Estou cego no mundo e mal me atrevo
a guardar a palavra sob a língua. Afogo-me
em silêncio mas não morro: uma barca
subterrânea é que me guia por entranhas da
terra onde conheço apenas a matéria
de que é feito o canto luminoso da poesia.


Mergulho no silêncio e o silêncio profundo
não me afoga, antes me alivia: estou parado e
voo e plano e vivo e morro e penso: tenho
bóias: ternura aceitação desprendimento.




NUNO DE FIGUEIREDO

* PRÉMIO NACIONAL DE POESIA
FERNÃO DE MAGALHÃES GONÇALVES *

CREPÚSCULO

Capa - ESPIGA

Novidade


sexta-feira, 1 de agosto de 2014

A ASA PARTIDA




9

OS LIVROS VIVOS PORQUE ABERTOS E LIDOS


- A solidão tem sido a sua ocupação! E como a tem preenchido, Edmundina? Como se tem agora sentido? - perguntava o Dr. Alberto.
     - Caminho, Doutor, caminho caminhando. De manhã é sempre muito difícil acordar. Cirando pela casa, ouvindo as paredes, escuto-lhes o som da saudade, e no peso do peito guardo um sabor de tristeza. É depois que invento uma nova realidade suspensa a meio das memórias, nunca indo ao fundo do que me é penoso. Prefiro justificar as ausências com uma rotina normal como se fosse uma viagem de trabalho nos afazeres da vida, embora saiba que isso não é verdade. Vai sendo a minha verdade, só um bocadinho dentro de mim. (. . .)


A ASA PARTIDA

CONCEIÇÃO ROSA

Capa e Prefácio de CARLOS AURÉLIO