ia em camisa descalça e ninguém mais a sentiu. não olhava nem levava nada era ela partiu de madrugada.
andou por aí estes dias cabisbaixa e calada. trazia pão num saco e pedia cenouras e laranjas no mercado. como tinha um buraco no vestido e não se penteava diziam que era turista ou artista do Reino Unido não sabiam.
tinha na boca o lume inumerável de uma papoula da Turquia ou da Tailândia e nos dentes toda a neve da Sibéria ou da Finlândia. ao pisar era crioula e no bronze dos ombros menina latina ou africana flor de tremoço da Califórnia seus olhos de Hera e a cigana de Granada ali à espera ao ler-lhe a sina não leu nada.
andava meio nua deu aos ombros ao polícia que nem lhe arrancou o nome. __«deitas as cascas na rua vai à merda» disse o guarda «mata a fome mas não sujes a cidade e multa são dois mil paus que puta de liberdade».
era ela.
dormia nos degraus das primeiras escadas que alguém lhe consentia.
era ela. __«já foi à fava» disse o guarda que a via da janela para os botões da farda.
In Memória Imperfeita Fernão de Magalhães Gonçalves
A TARTARUGA é um projecto cultural e humanista, divulga e enobrece a língua e a cultura portuguesas.
Para Platão, a inspiração poética está ligada ao entusiasmo e à posse do sentido do divino.
Para Aristóteles, a poesia, qualquer que seja o seu objecto, heróica ou satírica, e a sua forma, dramática, lírica ou épica pertence às artes de imitação. Enraizada na natureza, a poesia é o lugar de uma verdade mais filosófica e universal do que a simples exactidão histórica.
Porque a história da nossa literatura o impõe e o seu objectivo final é levar aos leitores o registo escrito do pensamento e criatividade que brotam de fontes inesgotáveis aqui estamos, cada vez mais, mostrando a nossa língua no seu melhor e demonstrando que é uma língua viva comunicante, bela e com uma identidade inquestionável.
A essência da escrita é deliciar os leitores e os autores depois da execução lírica, captando cada instante com emoções e atraídos pela maravilhosa interpretação de palavras e imagens representadas e delineadas em cada página do livro.
A Turista de Abril
ResponderEliminarEra ela.
ia em camisa descalça
e ninguém mais a sentiu.
não olhava
nem levava nada
era ela
partiu de madrugada.
andou por aí estes dias
cabisbaixa e calada.
trazia
pão num saco
e pedia
cenouras e laranjas no mercado.
como tinha um buraco no vestido e
não se penteava diziam
que era turista
ou artista do Reino Unido
não sabiam.
tinha na boca o lume inumerável de uma papoula
da Turquia ou da Tailândia
e nos dentes toda a neve da Sibéria ou da Finlândia.
ao pisar era crioula
e no bronze dos ombros
menina
latina
ou africana
flor de tremoço da Califórnia seus olhos de Hera
e a cigana
de Granada
ali à espera
ao ler-lhe a sina
não leu nada.
andava meio nua
deu aos ombros ao polícia
que nem lhe arrancou o nome.
__«deitas as cascas na rua
vai à merda»
disse o guarda
«mata a fome
mas não sujes a cidade
e multa são dois mil paus
que puta de liberdade».
era ela.
dormia nos
degraus das primeiras escadas que
alguém lhe consentia.
era ela.
__«já foi à fava»
disse o guarda que a via
da janela
para os botões da farda.
In Memória Imperfeita
Fernão de Magalhães Gonçalves