Continuo sentada junto ao muro. . . espero que chegues, preciso de conversar contigo, contar a amargura dos dias deste lado do muro.
Contemplo o caminho percorrido.
Deste lado do muro não há Sol, perfume, alegria, risos. Os canários deixaram de cantar, a Lua extinguiu o resplandecer, o mel não tem sabor, já não sei como se faz amor, esqueci o paladar dos teus beijos, falta tudo o que enchia o nosso mundo.
Vénus perdeu o brilho! Afrodite fechou-se na concha, enrolada em espuma do mar. Ísis alada enxuga lágrimas, protege pescadores, recolhendo redes cheias de algas e de rosas perfumadas.
Portugueses rasgam terra e mares, Oceanos, Rota de navegadores, Tauromáquicos, Unem poetas e sábios, Grandes cientistas, filósofos e mágicos, Amam sem medida possível, Livres, percorrem o mundo e os astros.
ficou um poema no teu rosto amão cheia de amoras amêndoas e morangos no teu colo dobrado cinco pétalas de malmequer no chão cinco dedos da mão cinco sílabas do poema inacabado
veste a memória de luz os nossos corpos nus e na água nocturna do teu nome dilui o desejo a cor do lume
ficou um poema no teu rosto que eu não lerei mais não voltará a roseira do teu corpo a dar rosas iguais
Poema de Fernão de Magalhães Gonçalves Livro - Júbilo da Seiva
ia em camisa descalça e ninguém mais a sentiu. não olhava nem levava nada era ela partiu de madrugada.
andou por aí estes dias cabisbaixa e calada. trazia pão num saco e pedia cenouras e laranjas no mercado. como tinha um buraco no vestido e não se penteava diziam que era turista ou artista do Reino Unido não sabiam.
tinha na boca o lume inumerável de uma papoula da Turquia ou da Tailândia e nos dentes toda a neve da Sibéria ou da Finlândia. ao pisar era crioula e no bronze dos ombros menina latina ou africana. flor de tremoço da Califórnia seus olhos de Hera e a cigana de Granada ali à espera ao ler-lhe a sina não leu nada.
andava meio nua deu aos ombros ao polícia que nem lhe arrancou o nome. - "deitas as cascas na rua vai à merda" disse o guarda "mata a fome mas não sujes a cidade a multa são dois mil paus que puta de liberdade".
era ela.
dormia nos degraus das primeiras escadas que alguém lhe consentia.
era ela.
- "já foi à fava" disse o guarda que a via da janela para os botões da farda.
Poema de FERNÃO DE MAGALHÃES GONÇALVES Livro - MEMÓRIA IMPERFEITA
Aqui onde hoje precisamente este momento te anuncia o mesmo encontro pressentido no teu olhar marejado e o silêncio colado à luz vazia seguindo o ruído da sombra de alguém que está chegando do outro lado.
Poema de FERNÃO DE MAGALHÃES GONÇALVES Livro - MEMÓRIA IMPERFEITA
A TARTARUGA é um projecto cultural e humanista, divulga e enobrece a língua e a cultura portuguesas.
Para Platão, a inspiração poética está ligada ao entusiasmo e à posse do sentido do divino.
Para Aristóteles, a poesia, qualquer que seja o seu objecto, heróica ou satírica, e a sua forma, dramática, lírica ou épica pertence às artes de imitação. Enraizada na natureza, a poesia é o lugar de uma verdade mais filosófica e universal do que a simples exactidão histórica.
Porque a história da nossa literatura o impõe e o seu objectivo final é levar aos leitores o registo escrito do pensamento e criatividade que brotam de fontes inesgotáveis aqui estamos, cada vez mais, mostrando a nossa língua no seu melhor e demonstrando que é uma língua viva comunicante, bela e com uma identidade inquestionável.
A essência da escrita é deliciar os leitores e os autores depois da execução lírica, captando cada instante com emoções e atraídos pela maravilhosa interpretação de palavras e imagens representadas e delineadas em cada página do livro.