À memória de António Cabral
Há momentos na vida em que se deveria
calar e deixar que o silêncio falasse ao
coração, pois há emoções que as palavras
não sabem traduzir!
Jacques Prévert
António Cabral foi um dos raros Poetas Transmontanos que se projectou, com toda a sua grandiosidade, para lá da Serra do Marão, sem perder a sua específica individualidade criativa em benefício de modelos formais de fácil receptividade ou divulgação. A sua universalidade e plena densidade poética são o cerne de uma Obra merecedora da visibilidade adquirida e, também, do registo da nossa gratidão. Da especificidade e validade das criações do Autor de Bodas Selvagensmuitas memórias guardo, sendo estas testemunho de uma acção cultural ímpar, que sumamente nos honra, e a confirmação do projecto de Homenagem à pluralidade criativa do nosso tempo universal.
Fiel às suas raízes, soube sempre ser original, com uma sensibilidade poética da festividade e do espectacular. Escreveu com a elegância e a luminosidade própria dos sábios, dos grandes construtores, daqueles que nos permitem sentir orgulho da nossa portugalidade.
O seu/nosso Douro foi "cantado" de um modo monumental e mágico, com o lirismo próprio de quem conhece cada socalco, cada segredo, e todos os rituais do universo de cada palavra saboreada com o aroma do mosto e da deslumbrante paisagem das videiras alinhadas a trepar pelas montanhas.
Aqui, o Sol fixa o firmamento com a mestria silenciosa e secreta para que influencie e dê vida a cada bago de uva. E, assim, cada cacho de uva se torna doce e perfeito para realizar a alquimia de um vinho generoso com qualidade e pureza insuperáveis. O grande mistério consiste na inclinação das encostas, na composição de característica única do solo, na absolutamente indispensável qualidade das castas.
O Sol desce do firmamento, trazendo calor e luz para o desenvolvimento e crescimento natural da vida, transformando estes montes em ouro verdadeiro, permitindo restaurar e renovar a existência das cepas, unindo Céu e Terra na harmonia da reconciliação. O equilíbrio Cósmico assegura a união perfeita da incorruptibilidade.
O seu livro O Rio que Perdeu as Margens foi um renascimento inevitável, com um movimento explosivo de Tradição e alegria, com a imaginação a vaguear por uma floresta ilimitada neste universo em perpétua metamorfose.
Antologia dos Poemas Durienses é uma Obra dinâmica que retrospectivamente nos pode servir de fio condutor para seguirmos os entusiasmos de uma realidade que gravita entre vinhas e olivais. Leva-nos a sonhar e a acreditar que o Paraíso mora aqui, à sombra de uma parreira, com vista deslumbrante sobre o Douro, ladeando um Rio cuja estabilidade e horizontalidade conseguem fazer suster a respiração!
António Cabral, com mais de cinquenta livros publicados, seguiu o caminho que o conduziu forçosamente ao objectivo de ver crescer e solidificar a sua Obra poética com a força vital e a qualidade fecunda na qual reina a beleza frondosa e pura da sabedoria.
A imagem resplandecente da luz impera em todos os livros que escreveu, em todos os actos preciosos da sua existência, conciliando consciência, inteligência e coração. Melhor ainda, escreveu com amor, eternizou um mundo fantástico real determinante e consagrado à compreensão do Universo. Falava com o mesmo encanto de Poesia ou de Física Quântica. . .
Era um homem sensível e inteligente, um espírito superior, profundamente comprometido com a Vida, um mestre do pensamento. Foi um "obreiro da Terra", como chamou Teilhard de Chardin a esses Homens cultos que operam maravilhas e marcam o destino da humanidade.
A Tentação de Santo Antão é um livro com um brilho harmonioso, mergulhado nas profundidades da coexistência Céu-Terra, será a recompensa de uma promessa mística, anunciando a orientação para um novo estádio, ainda misterioso, infinitamente mais esclarecido, sem desespero.
A criatividade em todas as suas formas de expressão, espraia-se até ao infinito. Só os verdadeiros mensageiros penetram no âmago com toda a potencialidade, vitalidade irradiante, discernimento e percepção de inspiração profética.
António Cabral viveu com a autenticidade maravilhosa que transcende a linguagem das ciências exactas: com profundidade, disponibilidade, responsabilidade e encanto verdadeiro. Por entre sorrisos que enchiam lentamente a sua alma, aprendeu a escutar com perfeição o caminho do rio que conduz à paz interior - o verdadeiro caminho da Vida.
Murça, Solstício de Verão de 2017
Manuela Morais
In Memoriam de António Cabral
Colecção Tellus
Câmara Municipal de Vila Real